Para se entender o alarde que cercou o lançamento do IBM PC é preciso ter uma ideia do que representava a IBM no campo da informática no início dos anos oitenta do século passado. Hoje, não há empresa que exerça um domínio de mercado sequer parecido. Nem a Microsoft chegou perto nos seus anos dourados do final do século. Afinal, estamos falando de uma empresa tão poderosa e com tal influência que acabara de se desvencilhar de um processo antimonopólio movido pelo Governo Americano dando-se por feliz de não ter sido fracionada em empresas menores como mais tarde ocorreu com a empresa telefônica americana. Sua liderança no mercado era incontestável e cada movimento seu era acompanhado com imensa atenção pela imprensa, pelos concorrentes e por mais quem tivesse qualquer interesse na área de computadores.
O lançamento foi uma festa de arromba. Em 12 de agosto de 1981 a IBM reuniu a imprensa especializada em tecnologia e negócios nos salões do Hotel Waldorf Astoria e apresentou triunfalmente seu computador pessoal. Para não deixar dúvidas sobre o segmento do mercado a que ele se destinava, batizou-o justamente de PC, ou “Personal Computer”. E para tornar claro que o produto manteria os padrões de qualidade que fizeram da IBM uma das marcas mais respeitadas da indústria, juntou seu próprio nome e logotipo. Assim nasceu o IBM PC.
Hoje, o termo “computador” não assusta mais ninguém. Vivemos cercados deles, os carregamos nas pastas, nos bolsos e até nos pulsos, os vemos onde quer que olhemos e muitos de nós (acredito que todos os que estão lendo estas mal traçadas) sequer conseguem imaginar a vida sem eles. Mas há trinta anos as coisas eram diferentes. Ainda havia quem se referisse a computadores como “cérebros eletrônicos” e sua menção trazia à mente grandes salões refrigerados com uma assustadora parafernália eletrônica de fitas magnéticas, impressoras imensas e leitoras de cartões perfurados.
Em um tempo como aqueles a expressão “computador pessoal” sequer fazia muito sentido. Na verdade, chegava a assustar. Sobre o assunto dizem Campbell-Kelly e Aspray, em seu livro “Computer – A history of the information machine”: “A máquina foi astutamente batizada de Computador Pessoal IBM sugerindo que ‘máquina IBM’ e ‘computador pessoal’ eram sinônimos. Para o usuário corporativo, o fato de a máquina ostentar o logotipo IBM era suficiente para legitimá-la no campo empresarial. Entretanto, para o usuário doméstico, pesquisas de mercado haviam revelado que embora um computador pessoal fosse encarado como uma coisa boa, era também considerado como algo intimidador – e a própria IBM era tida como ‘fria e distante’”.
O Vagabundo e o PC
Era então preciso afastar estes temores. E a empresa de publicidade contratada pela IBM deu um golpe magistral: usou, como mote de lançamento e figura central da campanha um sósia do “The Tramp”, o adorável vagabundo encarnado por Charlie Chaplin, o Carlitos, no filme “Tempos modernos”. Era uma clara alusão à possibilidade do homem comum enfrentar uma luta contra a tecnologia e sair vencedor. Ainda segundo Campbell-Kelly e Aspray, “a figura de Carlitos reduziu o fator de intimidação e deu à IBM uma ‘face humana’”.
Foi um sucesso. No dia seguinte o Wall Street Journal publicava: “A International Business Machines Corp. entrou agressivamente no mercado de computadores pessoais e os analistas acreditam que a gigante dos computadores poderá assumir a liderança da jovem indústria em um prazo de dois anos”.
E assim foi.
Mas que máquina era aquela, a que foi lançada?
Era um computador desenvolvido em torno do processador 8088 da Intel, como sabemos. Vinha com uma unidade de disco flexível (de uma face e 160 KB de capacidade) e uma memória primária (memória RAM) de 64 KB (que poderia ser expandida até 256 KB). Era fornecido com teclado e monitor monocromático capaz de exibir apenas texto (para exibir gráficos era necessário acrescentar uma “placa gráfica” e adquirir um novo monitor). Custava US$ 1.595. Se agregada uma impressora (matricial, naturalmente) e os demais opcionais, o preço poderia subir para cerca de seis mil dólares americanos. E isso para uma máquina com poder de processamento inferior ao de telefones celulares modernos – e não os de última geração
O IBM PC
Para comercializá-la, pela primeira vez a IBM recorreu ao varejo e não aos canais que costumava usar para distribuir seus produtos. O IBM PC era vendido pelas cadeias de lojas Computerland e Sears.
Um ano e meio depois, no final de 1982, e pela primeira vez na história, o “homem do ano”, a tradicional – e esperadíssima – matéria de capa de final de ano da revista Time, não foi um homem, mas uma máquina. Justificaram os editores: “Há ocasiões em que a força mais significativa no noticiário anual não é apenas um indivíduo, mas um processo… O ‘Homem do Ano’ da Time para 1982, a maior influência para o bem ou para o mal, não é um homem de forma alguma. Trata-se de uma máquina, o computador… O PC, de ‘Personal Computer’, de cor branca cremosa, lançado em agosto de 1981… determinou um padrão de excelência para a indústria”.
Em 1983, dois anos após o lançamento, havia no mercado americano várias dúzias de publicações semanais ou mensais dedicadas exclusivamente ao IBM PC.
Don Estridge e a equipe de desenvolvimento do PC de Boca Ratón romperam radicalmente os métodos empresariais que sempre prevaleceram na IBM e conseguiram em menos de três anos levar um empreendimento do zero a quatro bilhões de dólares americanos (uma fortuna inimaginável, na época). Sem mencionar o fato de que criaram um padrão que influencia a sociedade até os dias de hoje e deu origem às dezenas de diferentes modelos de computadores que constituem a “linha PC”.
Um feito e tanto.
Eu poderia continuar ainda por semanas escrevendo sobre a história dos computadores, particularmente sobre o papel seminal dos desenvolvedores dos softwares pioneiros para computadores pessoais, como Dan Bricklin e seu Visicalc, Mitch Kapor e seu Lotus 123, ou os editores de texto como o WordStar e o banco de dados DBase. Mas esta série já se alongou demais e está na hora de mudar de assunto. Mesmo porque tem um monte de novidades por aí e convém falar nelas. Quem sabe um dia voltaremos a lembrar um pouco o passado. Pois, afinal, sempre vale a pena repetir: só quem conhece o passado pode entender o presente e fazer previsões factíveis para o futuro.
Como eu disse, procurei basear esta série de colunas em livros da época e em minha já um tanto combalida memória, evitando sempre que possível a Internet. Assim foi feito. E, a páginas tantas, prometi citar a lista dos principais livros consultados. Aqui vai ela em ordem cronológica de publicação:
“Hard Drive – Desejo de Vencer – Bill Gates e a criação do império da Microsoft” de James Wallace e Jim Erickson, publicado em 1992, tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi, editado pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A.
“A Guerra dos computadores – as batalhas pela liderança da tecnologia da informação”, de Charles H. Ferguson e Charles R. Morris, publicado em 1993 pela Ediouro.
“Impérios Acidentais – Como os garotos do Vale do Silício ganham milhões mas não arranjam namorada” de Robert X. Cringely, tradução de Roberto Raposo, editado pela Ediouro em 1995
“Computer – A history of the information machine” de Martin Cambbell-Kelly e William Aspray, publicado em 1996 por Basic Books
“Passado e futuro da Era da Informação” de Ricardo Rangel, publicado em 1999 pela Editora Nova Fronteira.
Aí estão eles. Consultei mais alguns, mas deles não extrai nada que efetivamente prestasse. Mas estes, se vocês encontrarem em algum sebo, comprem que vale a pena.
Até a próxima.